“Creio bem que, na ‘contabilidade política’ geral de uma Angola, de nascente independência, assoberbada por muitos anos de guerra e destruição, José Eduardo dos Santos teve um papel de relevante importância, que é justo reconhecer”, afirmou o ex-Presidente da República português, Ramalho Eanes.
O antigo chefe de Estado português Ramalho Eanes afirmou este sábado que Angola muito fica a dever ao ex-presidente José Eduardo dos Santos, falecido na sexta-feira, pelo seu papel de “relevante importância” num país recém-independente, “assoberbado” por anos de “guerra e destruição”.
O general António Ramalho Eanes recordou que conheceu o falecido chefe de Estado angolano aquando das exéquias do presidente Agostinho Neto, em 1979, e voltou a encontrar-se com ele em Luanda, em 1982, aquando da sua visita, como Presidente da República, na sequência de um convite que Agostinho Neto tinha feito em 1978, “com o propósito político de encontrar vias de normalização das relações de Portugal com Angola”.
Ao general Ramalho Eanes não caberia aqui, certamente, recordar que Agostinho Neto foi quem mandou assassinar milhares e milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977. Não cabia a Eanes como nunca coube a nenhum alto dignitário de Portugal. Mas a nós cabe porque a verdade não prescreve, seja qual for o contexto.
“No encontro, que, então, tivemos, impressionaram-me a sua naturalidade e o seu propósito de, com realismo, pacificar e desenvolver Angola. Mantive, com ele, uma relação relativamente cordial, que se prolongou para além do exercício da minha função presidencial. Pondo de parte tudo isso, entendo que, perante o seu falecimento, devo dizer que Angola muito lhe fica a dever”, considerou o primeiro presidente português eleito democraticamente em sufrágio universal após o 25 de Abril de 1974 e que, estrategicamente, deixou passa o 11 de Novembro de 1975 (independência de Angola) para só depois pôr ordem no seu país, liderando o movimento do 25 de Novembro de 1975.
“Creio bem que, na ‘contabilidade política’ geral de uma Angola, de nascente independência, assoberbada por muitos anos de guerra e destruição, José Eduardo dos Santos teve um papel de relevante importância, que é justo reconhecer”, acrescentou.
Segundo Ramalho Eanes, José Eduardo dos Santos conseguiu resolver, “com prudência e sucesso, os problemas que o chamado ‘golpe Nito Alves’ terá provocado no seio da elite angolana” e respondeu “com acerto político e sucesso final à guerra civil, tendo tido o mérito de defender a manutenção das Forças Armadas angolanas” com quadros provenientes do seu partido, o MPLA e da UNITA.
Ramalho Eanes sublinha também que José Eduardo dos Santos “conseguiu, ainda, libertar Angola da tutela militar” de Cuba, “‘desmaterializou’, sem ‘sobressaltos’ – o que é notável – a sociedade angolana”, liderou, “sem convulsões”, a passagem de Angola do monopartidarismo para o pluripartidarismo e conseguiu ainda “responder às exigências financeiras da guerra, e gerir, com sucesso, relativo também, a difícil situação financeira do país”.
Ramalho Eanes era Presidente em Portugal quando José Eduardo dos Santos subiu ao poder em Angola, em 21 de Setembro de 1979, as mesmas funções que manteve durante 38 anos, sem nunca ter sido nominalmente eleito.
Ramalho Eanes quando aceitou o convite para participar nas comemorações dos 40 anos da independência caucionou um regime que, para além de ditatorial, era, é e continuará a ser dos mais corruptos do mundo. É claro que até a verticalidade do ex-Presidente da República tem limites. É claro que o respeito pela dignidade de um Povo que, ao fim de – na altura – 40 anos, continuava (e assim se mantém) a ser gerado com fome, a nascer com fome e a morrer com fome… tem limites.
O desfile civil e militar com exibição das Forças Armadas Angolanas, integrando 10.000 participantes, foi um dos pontos altos destas comemorações em Luanda. Os milhões de angolanos que vivem na miséria comemoraram, longe da face A do regime, eventualmente com uns copos de cachipembe, panos ruins, peixe podre, fuba podre, 30 angolares e porrada se refilarem.
No dia anterior aconteceu a inauguração oficial do novo edifício-sede da Assembleia Nacional de Angola, construído em Luanda pela empresa portuguesa Teixeira Duarte e que representou um investimento público superior a 185 milhões de dólares (167 milhões de euros).
O Brasil esteve representado pelo então vice-Presidente, Michel Temer, São Tomé e Príncipe por Manuel Pinto da Costa, e Moçambique por Filipe Nyusi.
Uma comissão interministerial angolana preparou durante vários meses as comemorações de 2015. No dia 11 de Novembro o almoço presidencial, na baía de Luanda, contou com 3.000 convidados.
Nos dias 10 e 11 de Novembro decorreu na capital o Festival da Liberdade, que envolveu concertos ao vivo igualmente na baía da capital, protagonizados por 50 músicos para mais de 50.000 convidados.
Recorde-se ainda que José Eduardo dos Santos era adepto do Futebol Clube do Porto e foi distinguido com um Dragão de Honra em 2014.
O antigo presidente de Angola era um fervoroso adepto do FC Porto e chegou mesmo a ser atleta da filial portista, o FC Luanda. Em Novembro de 2014, aquando de uma visita de uma comitiva portista liderada pelo presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, José Eduardo dos Santos foi distinguido com um Dragão de Honra.
Angola foi colonizada por Portugal durante cerca de 500 anos, tendo alcançado a independência em 1975, na sequência da luta armada levada a cabo pelos movimentos de libertação, MPLA, FNLA e UNITA. A independência foi proclamada em Luanda por António Agostinho Neto, líder do MPLA, e no Huambo por Holden Roberto (FNLA) e Jonas Savimbi (UNITA).